12 de dezembro de 2016

[ Não me lembro do primeiro beijo]





Não me lembro do primeiro beijo.
Vejo a rapariga que faz a noite, é esquerdina,
há pouca luz, não está a ler enquanto escrevo.
Lê. Não te interrompas.
E não improvises: não imagines o verso seguinte
na tua cabeça, que na minha ainda o não escrevi.
Afinal, mulher, escrevo só para ti,
como escrevo unicamente para um leitor qualquer.
Face à página ocupada, o mundo dirá da ocasião
a etiqueta: do contrato, da ascensão aos céus, do entrudo.
O cão, o pau, o caminho, o medo, o ladrar,
tanta gente e ninguém com a cortina negra de veludo
cobre a tragédia informe que corre neste obscuro bar.
Sob o relâmpago suspenso
vejo a rapariga que faz a noite, é esquerdina.
E não consigo ser eu própria esquerdina.
Não me lembro do primeiro beijo:
não era decerto eu quem estava lá.
Irremediavelmente diversos, eu, nós, todos:
em prosa, em silêncios, em versos.

Sem comentários: