21 de julho de 2025

UMA MISSA PELAS 14 HORAS

 


Ouço na rádio que será rezada uma missa pelas 14 horas.

Será que as 14 horas morreram?

Terá sido de repente?

Terão morrido sozinhas as 14 horas ou terão morrido também as 15, as 16 e as 17 horas?!

Quantas horas terão morrido?

Vamos passar a ter dias mais curtos, dias com intervalos em branco, dias com buracos suspensos no tempo onde nada bule, onde ninguém se aproxima ou se afasta de ninguém, dias com horas cinzentas onde os velhos abandonados se tornam o ícone da civilização presente?

Emergem dúvidas. Várias. Seja o caso dos animais que pensam: nesses buracos sem horas ficarão de mentes vazias, vegetais contemplativos, ou continuarão pensantes, embora quedos e mudos, como a imagem que se move solitária no ecrã do cinema sem espectadores, pensantes sem qualquer efeito no mundo?

Quanto aos animais que sentem: nesses intervalos horários, nesses nevoeiros difusos, deixarão quer de sofrer quer de exultar, ou ficarão como pedras de olhos abertos que veem passar as crianças pobres que dormem a noite ao relento como uma agitação inconsequente rumo ao esquecimento?

Quanto aos animais que nem pensam nem sentem, ultimamente bafejados pela evolução dos ecossistemas, fará qualquer diferença que os nossos dias estejam cheios de horas mortas, como se todas as horas da vida fossem, para essas populações em franca expansão, apenas um lençol embrulhando o vasto aparelho reprodutor das suas espécies de um só espécime?

Quanto às árvores centenárias, sem palavras, avisadas da impossibilidade de qualquer narrativa abarcar tudo o que decorreu a seus pés desde tempos imemoriais, posto o risco, o perigo e a ameaça de confundir o eterno passado com uma visão claríssima do futuro e com os amanhãs que cantam, as árvores centenárias sorriem marotas quando escrevemos “vegetais contemplativos”, disfarçando o rubor que às suas faces assoma por se saber que incontáveis animais, figurando embora na lista dos que pensam e dos que sentem, 

não se movem mais do que uma azeda tocada pelo vento

nem à vista do mais doloroso sofrimento.

Há vidas inteiras enterradas nas horas mortas da nossa indiferença e nunca ouviremos na rádio o anúncio de qualquer oração que possa expiar esse pecado.

 


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