7 de julho de 2025

Observatório dos peixes diádromos

 





salmões lampreias esturjões o sável a savelha
a solha-das-pedras a truta-de-rio a boga-comum a truta-marisco
enguias europeias enguias americanas gobídeos

uns nascem no mar e migram para os rios
outros nascem em rios e migram para o mar

no ir e no voltar trepam represas e açudes
altos obstáculos armadilhas ameaças
os predadores, que cheiram seus tenros filhos,
e a bússola, tonta pelas temperaturas avariadas

uns nascem no mar e migram para os rios
outros nascem em rios e migram para o mar
mas todos partem das suas terras líquidas para crescer
e quase todos regressam para as encher de filhos

os estudiosos algo sabem sobre a sua vida nos rios
pela vantagem da proximidade, aparente, física
observam a desova veem-nos saltar pescam-nos

mas há mistérios densos sobre as suas vidas oceânicas
porque o mar é imenso, porque se dispersam
porque se entranham nas escuras profundezas
se escondem nas cavernas e evitam as luzes
porque falam línguas estranhas entre si
como se fossem perseguidos
ou porque muitos dos que os procuram
se perdem a ir ou a voltar
ou esquecem o que viram

uns nascem no mar e migram para os rios
outros nascem em rios e migram para o mar
e, todos, as metades motrizes das suas vidas
permanecem segredo insondável, mistério,
permanecem para nós essencialmente desconhecidas

esta é a vida dos peixes diádromos
verdadeiramente não há uma pátria dos peixes migradores
eles nem sabem que se cruzam nos estuários
não sabem que os juntámos numa categoria
muito menos que servem uma mínima alegoria

nem os que vão do salgado ao doce
nem os que vão do rio ao mar
os peixes que migram nunca atravessaram o deserto
não afundaram em balsas no Mediterrâneo
não viram a guerra através da cortina da sua janela
não lhes interditaram as suas línguas
não lhes cortaram o caminho da escola

migrantes, filhos de migrantes, netos de migrantes
nem sabem a sorte que têm de serem peixes
porque, do seu natural,
as falas dos predadores lhes são inaudíveis

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