21 de março de 2019

Fragmento de uma biologia dos monstros antigos

Poderás pelo poder da tua fábrica produzir monstros antigos?
Poderás, mesmo sem vestígios fósseis,
pela pura compreensão do seu genoma,
construir um centauro,
de raiz, sem pai nem mãe,
como um programa na máquina a correr,
ou apenas com peças avulsas de monstros modernos?
Será possível um corpo,
metade homem metade cavalo,
que a evolução não trouxe, natural, até hoje,
resultar da tua habilidade recente?
Nasceria de tal arte um rosto, torso e braços semelhantes aos teus
com garupa e pernas de equídeo?
Pergunto-me de que outras estruturas corporais complicadas
será capaz o teu engenho.
Bichos fantásticos, metade lagostim metade cabra,
vivendo ora em seco ora na água?
entes metade anjo metade escorpião,
metade virgem metade rei,
metade candura metade linguagem?
Estará no poder da tua fábrica
compreender a génese ao ponto
de estruturas corporais espantosas resultarem,
produzindo novos monstros antigos,
metade palavra metade silêncio,
vivendo ora nos teus ora nos meus medos?



(in Porfírio Silva, Monstros Antigos, Esfera do Caos, janeiro de 2014)

1 comentário:

文章 disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.