9 de agosto de 2014

A reestruturação da dúvida





E se deixássemos a dúvida para mais tarde?
As dúvidas durante a noite são mais lentas, o medo engana-as, o escuro e o próprio frio desaceleram os motores que movem as máquinas dos possíveis. Como mover-nos para além do afogo da dúvida? Talvez uma operação no rendilhado das obrigações: duvidar de enraizadas crenças programáticas em troca de pequenas certezas pragmáticas em miúdos estorvos de cada dia: afinal, uma semana de cepticismo nosso não riscará sequer a superfície perfeita dos deuses, enquanto as tuas acções abrem e fecham a goela sobre ti em minutos.

E se pagássemos menos dor pelas nossas dúvidas? E se aceitássemos as dúvidas dos outros em troca das nossas, um pagamento pouco moderno, em géneros? E se perdoássemos todas as dúvidas com mais de sete anos, rompendo a teia invisível da inesgotável necessidade de justificação? Podemos mutualizar a dúvida, fazer das alcateias de pequenas dúvidas dispersas, selvagens, uma grande pergunta partilhada que nos oriente, uma pergunta sobre o método, pungente, sobre o sentido.

Há um oceano de desencontros entre as nossas perguntas e as nossas respostas: talvez por isso as dúvidas não se apagam. As dúvidas gerem-se. Renovam-se. Negoceiam-se com as certezas, temperam-se no mercado das alegrias e também das tristezas. Para que permaneçam à distância correcta: nunca muito perto, nunca demasiado longe.
Nem nunca, nem hoje.

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