Os teus sapatos pretos, gastos
mas limpos,
cozidos pelo sapateiro argentino,
porque toda a pessoa vem de algum lado,
os sapatos pretos que escolheste
para a última das caminhadas
tantas onde te gastaste,
limpo, permanecendo limpo,
não condenavam os sapatos vermelhos
da tradição tradicional,
não desprezavam o símbolo habitual
(foste parco em desprezos),
simplesmente inauguravam novo símbolo
o símbolo
de que vale a pena gastar a vida a viver
vale a pena gastar os sapatos a percorrer
os caminhos insondáveis dos outros,
vale a pena sujar os sapatos na terra
onde chegam os que fogem do inominável
sem exércitos que os defendam
e permanecer limpo
vale a pena sujar as mãos a lavar dores
e permanecer limpo
vale a pena erguer a voz contra a guerra
e permanecer limpo
vale a pena cuidar em lugar de julgar
e permanecer limpo
vale a pena expulsar vendilhões do templo
e permanecer limpo
gasto mas limpo
limpo porque gasto
como os sapatos
pretos das caminhadas
limpos agora das dores terrenas
falando tão alto os gestos
como as palavras.
Os teus sapatos pretos, gastos
mas limpos,
falam, Francisco.
(26 de Abril 2025, dia em que o Papa Francisco foi tumulado levando os seus sapatos pretos habituais)
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