5 de agosto de 2020

emergência, 18




é o regresso que edifica ulisses.
depois da queda de tróia
não há um caminho direito para ítaca,
o colo de penélope não espera num vértice certo do mundo:
lugar algum encontras sempre no mesmo sítio.

o regresso constrói ulisses, como uma trepadeira incerta:
há o cativeiro, em calipso, que podia ser doméstico;
há o cantor cego da ilha de esquéria
que conhece alguns amores entre deuses;
há toda a sorte de tempestades
e uma colecção de ventos incompleta;
há os ciclopes, a poderosa raça
dos que vêem tudo sob um único ponto de vista;
circe, a deusa do feitiço banal
de transformar homens em animais;
tirésias, a personagem cega da corrupção;
sereias que enleiam os humanos com os seus desejos;
monstros de muitas cabeças
capazes de todas as opiniões num só dia
“um leão meu deus eu tenho a certeza de que ele teria alguma coisa melhor para dizer”
e mar, muito mar por atravessar,
“as pessoas podiam suportar serem mordidas por um lobo,
mas o que propriamente as irritava era a mordidela de uma ovelha”.

entre tróia e ítaca há penélope
entre tróia e ítaca
“o caminho mais comprido é o caminho mais curto para casa”
quem sabe se penélope parou de tecer

numa década de homero ou num dia longo de joyce
mergulhas nocturno num regresso marítimo urbano
a um estado de emergência informal como tróia
uma terra estrangeira ao cabo de incontáveis curvas no mar

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5 de Agosto de 2020, perdida a conta aos dias da emergência

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