1 de janeiro de 2013

Literatura de viagens (os canibais)




Prezais os homens úteis à alimentação,
digo: à vossa alimentação; os homens comestíveis.
E só depois os indigestos e os venenosos,
os que não vos deixam compor o sono e os que perguntam
até já não saberdes a resposta de sempre.
Dos homens comestíveis sabeis os termos indígenas
para os nomear, por espécie e por individuo;
os sons que emitem e a que horas do dia
ou da noite, e quais temer; conheceis das suas casas a arquitectura
e das próximas viagens os planos. E tratais de os ter à mesa:
quem não haveria de querer ter à mesa homens comestíveis.
Já de homens intragáveis incomoda-vos
que usem ousadas e várias teorias;
e das plantas e frutos com funções terapêuticas
preferis as que desfazem os feitos desses homens;
e dos venenos só abasteceis a cidade naquelas quantidades
e misturas que trabalham como antídoto das acções
desses que não vão, servidos, à mesa.
Tendes por sábios os que eternamente desfazem os feitiços
dos homens que não são de raças saborosas,
quereis em vossas casas os domesticadores, e bem assim os que ensinam
que em cada caso estudado o homem comestível é sempre mais sadio,
mais tenro, mais alimentício. Que vos faça bom proveito e,
senhor, afastai de mim esse cálice.

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